sexta-feira, novembro 18, 2005

A última vez que me falei com Deus, foi para lhe pedir que não me fizesse aquilo. Lembro-me do sítio onde lhe roguei que estivesse quieto e que não separasse quem não quer ser separado. O espaço era muito pequeno, estava preenchido com bastante gente, uns acomodados nos bancos como normalmente, outros em cadeiras de rodas e duas pessoas em macas, se a memória não me quiser falhar agora.
Ninguém dava importância à pessoa do seu lado, ninguém olhava para a sua roupa, muito menos para a sua condição física, na maior parte dos casos débil e fragilizada, ninguém queria saber da figura ao seu lado, mas todos queriam o mesmo dom: saúde.

Apesar do espaço ser pequeno em tamanho, abafado e sem grandes simbolismos na parede, nunca havia assistido a uma celebração de tal forma carregada de carisma, chamemos-lhe assim… Se é que se pode chamar carisma à intensidade das preces que se sentiam no ar, umas visivelmente desesperadas pelo ar desesperado de quem olhava em frente, outras com um brilho especial de quem agradecia uma benesse, outras tantas indiferentes ao sofrimento daquele espaço e a minha própria prece. A minha última prece.

Pedi insistentemente, em jeito de ameaça, numa raiva que ainda hoje cá tenho dentro, que não me fizesse aquilo e que olhasse para quem ali estava em súplica por dias melhores. Usei vernáculo enquanto rezava, enchi-me de chumbo e de fel pela injustiça que sabia estar a sofrer. Avisei-O mais que muitas vezes, repetindo as mesmas palavras, no compasso nervoso de quem está à beira dum ataque de nervos, outro aviso e outro aviso, mudava constantemente de posição, ora com as mãos no colo, com os braços cruzados no peito e sempre outro aviso, seguido de outro aviso, com os nervos em permanente descarga, o pulsar da adrenalina com outro aviso e outro aviso e outro aviso, raiva por depender do que não se explica, sempre a avisar e a avisar e a avisar! AAAAHHHHRRRRRR!! Saltou-me a tampa em lágrimas de desconsolo… Olhei para o lado nessa altura, vi a angústia naquele olhar que outrora só me transmitia segurança e pensei no que não tinha feito, no que tínhamos que fazer, no que ia acontecer. Encolhi-me e vi que não estava nas minhas mãos.

Despedi-me de Deus nesse dia. Ele que faça o seu trabalho sujo de decidir os destinos da Humanidade longe de mim. Não vou ser conivente com tamanha falta de senso, muito menos com o sofrimento alheio. Não lhe volto a falar, Ele que se amanhe com o que criou e se realmente a escolha é só nossa (como tantas vezes ouvi na catequese:”o mundo é mau porque os homens são maus! A culpa não é do Senhor, nós temos o poder de escolher!”) então eu escolho não lhe ligar mais.

Ele que se foda!